Entrevista com Larissa Almeida, Fundadora e conselheira da Rede Nacional Brasileira de Turismo Criativo – RECRIA

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– Como e quando o turismo criativo começou a fazer parte da sua vida?

Depois de formada eu trabalhei em ONGs, e no meu trabalho me inquietava ver tanta riqueza cultural, criatividade, potencial das periferias indivisibilidade por preconceitos causados pelo medo do diferente. A partir disso começou a surgir em mim um desejo fazer as pessoas acessarem a periferia a partir de um outro olhar, olhando para a abundância que existe lá e não pela falta. Foi aí que eu montei uma agência de turismo que oferecia vivências em lugares fora do roteiro tradicional, conduzido por pessoas que tinham nas práticas apresentadas sua atividade cotidiana. Ainda não chamava de turismo criativo, mas à medida que fui vendo as transformações acontecendo eu fui me aprofundando no tema até chegar no turismo criativo. Para entender os impactos da prática eu estudei bastante, já estive em Portugal 3 vezes para cursos de verão junto a uma rede de pesquisa que faz um trabalho bastante interessante de construção de conhecimento, a CREATOUR, também tenho lido e comparado as nossas práticas com os conhecimentos que chegam de pesquisas pelo mundo. Além, claro, de seguir na prática, eu atuo como facilitadora de processos e pesquisadora do tema, sou cofundadora e conselheira da RECRIA – Rede Brasileira de Experiências e Turismo Criativo, e integrante do Fórum de Turismo Criativo do Recife.

– O que é a RECRIA?

Recria Rede Brasileira de Experiências e Turismo Criativo RECRIA é um hub de experiências criativas que conecta pessoas, culturas e territórios. Fundada em 2017 a Recria atua por meio de consultorias, formações, articulação com o mercado e com os governos, e construção de conhecimento e assim tem fornecido suporte às iniciativas de turismo criativo e fortalecido o setor no Brasil.

– Por que o Turismo Criativo tem sido apontado como boa estratégia para os destinos na reativação do turismo?

O turismo criativo é uma tendência que tem crescido porque atende à demanda dos viajantes por significado e autenticidade. Em relação aos destinos, se mostra uma prática com potencial de oferecer ferramentas para ajudá-los a lidar com os desafios atuais que inclui seduzir o público local, o staycation, por meio de experiências de convivência em pequenos grupos que oferecem uma mudança de cenário a poucos quilômetros de casa. Por ser uma prática ancorada nas relações e que tem como matéria prima as pessoas, sua imaginação e criatividade, ela responde às necessidades do contexto contemporâneo de resgate das relações e do senso de comunidade e pode ser desenvolvida de forma rápida, bastando para isso investir nas pessoas.

Do ponto de vista econômico, por atender grupos pequenos o turismo criativo estimula que no território diversos grupos se organizem para receber e para que a experiência seja mais completa, então é comum que a partir de uma experiência ofertada por uma artesã surjam outras ofertas como oferta de experiências de gastronomia, de dança, de música… Então é uma atividade potencializadora. Tanto que a configuração que melhor se adequa a essa prática é a organização em rede, porque a rede dá ao empreendedor o suporte necessário para que ele possa acessar espaços que sozinho não conseguiria.

Do ponto de vista social, o turismo criativo pode nos ajudar a repensar as relações. Eu acredito no turismo criativo que conecta pessoas pelas suas potências, quando eu encontro com o outro eu me transformo e transformo a realidade. Sendo assim, eu penso que podemos aprender sobre empatia, sobre responsabilidade com o outro e com o ambiente, sobre a interconexão das coisas. Se pensarmos que quando viajamos não estamos consumindo um destino, mas visitando pessoas certamente passaremos a ter mais cuidado com a nossa interação e da mesma forma que o turista precisa ter segurança para viajar é preciso garantir também a segurança do anfitrião e de sua comunidade.

– Como o turismo criativo muda a relação do viajante com o território? E por que se debruçar nessa relação é importante?

As experiências de turismo criativo geralmente acontecem no espaço íntimo do anfitrião, seu ateliê, sua cozinha, sua casa, ele entrega seu saber no seu lugar de criação, então turismo não é sobre viajar, é sobre encontro. Se entendemos isso, tudo muda, e eu espero que as pessoas possam perceber essa nuance.  Acredito que essa reflexão seja especialmente importante no contexto da pandemia, em que a sua negligência não atinge apenas você, mas pode colocar em risco um grupo, uma comunidade, e isso é verdade em várias esferas de nossa vida, mas nós escolhemos não olhar para isso. O turismo criativo pode nos ensinar a interagir com mais respeito pelo outro, entendendo que aquele espaço que você visita por algumas horas é a casa e o local de afeto de muitas pessoas.

– Como você vê o potencial do Brasil em desenvolver Turismo Criativo?

A matéria-prima do turismo criativo são as pessoas, sua cultura, seus saberes. Assim, o Brasil é uma mina de preciosidades e tem muito potencial. Hoje, com o aumento do turismo doméstico, os destinos precisando diversificar sua oferta, têm-se olhado mais para esse manancial de possibilidades. O mais interessante é que podemos trabalhar com turismo criativo em grandes metrópoles, mas também nas pequenas cidades e zonas rurais, e independente do lugar temos práticas culturais bastante peculiares e pessoas dispostas a apresentar seu território.

– Quais são os maiores desafios para o desenvolvimento do turismo criativo no Brasil?

O primeiro e maior desafio talvez seja mudar o olhar sobre a prática turística. O turismo criativo convida a uma construção coletiva, integrada, e muitas vezes o que vemos são planos de desenvolvimento do turismo pensados em escritórios a portas fechadas nos quais a comunidade é pouco considerada. Então, é necessário que se entenda que a prática atual do turismo demanda que o desenvolvimento aconteça a partir da base, e para tanto, é necessário articulação, escuta ativa, sonhar juntos. É mais trabalhoso, mas é mais sustentável e impacta várias dimensões do território.

Outro desafio que percebo é a integração entre turismo e cultura. O turismo tem a reputação de ser uma prática destrutiva, que afasta os produtores culturais. Fazer a conexão entre cultura e turismo e mostrar que o turismo criativo pode ser uma ótima plataforma para fortalecer as práticas culturais de forma respeitosa e sustentável é um trabalho constante.

E aí entra outra questão que é integrar as iniciativas de turismo criativo ao mercado. Os pequenos empreendedores são multifunções, o que os deixa com pouco tempo para atuar nas questões estratégicas, somado à baixa capacidade digital da maioria deles resulta em dificuldades com a comunicação e comercialização do produto.

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